HISTÓRIAS COLORADAS SERÁ LANÇADO NESTA TERÇA-FEIRA NA FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE
Data: 30/10/2006
Vem aí o livro "Histórias Coloradas II - As 100 melhores histórias campeãs da América!" (capa ao lado), a continuação de um dos maiores sucessos da Feira do Livro de Porto Alegre de 2004, porém com uma grande novidade. O volume dois é totalmente feito com histórias da trajetória vitoriosa do Inter na Copa Libertadores da América 2006. O lançamento do Histórias Coloradas II - com a presença dos autores de histórias, entre eles Iarley, Renan, Wellington Monteiro, Elder Granja, Newton Drummond (Chumbinho), Vitório Piffero e membros da comissão técnica para autografar a obra - será nesta terça-feira, dia 07 de novembro, às 14hs, no Memorial do RS, durante a 52ª Feira do Livro de Porto Alegre.
O Sport Club Internacional mais uma vez marcou um golaço e, literalmente, de letra. Agora, no campo da literatura, com o lançamento da obra "Histórias Coloradas II - As 100 melhores histórias campeãs da América" (Nova Prova, 168 páginas, R$ 25,00). Composto de histórias de 100 diferentes colorados, estando entre elas as de todos os jogadores campeões, comissão técnica e dirigentes do departamento de futebol do Sport Club Internacional, como Fernandão, Iarley, Rafael Sobis, Bolívar, Tinga, Clemer, Edinho, Abel Braga, Paulo Paixão, Vitório Píffero, Fernando Carvalho, os médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, roupeiros, massagistas, entre tantos outros. E, como não poderia deixar de ser, os torcedores são tão responsáveis quanto o time pelo título, por isso também fazem parte do livro as melhores histórias dos sócios colorados, selecionadas através de concurso promovido no site oficial do clube (http://www.internacional.com.br/). Famosos e menos famosos, porém, ninguém menos colorado que ninguém. Um livro para eternizar os momentos engraçados, inusitados, dramáticos e felizes da maior conquista dos quase 100 anos do Internacional.
O primeiro volume, "Histórias Coloradas - Os mais Interessantes relatos da alma colorada" (reprodução da capa ao lado), lançado há dois anos na Feira do Livro de Porto Alegre 2004, uma das maiores da América Latina, ficou classificado como um dos cinco mais vendidos na categoria Não-Ficção. O Histórias Coloradas I, que continua à venda em todas as livrarias, traz 100 histórias, fatos e feitos curiosos, divertidos e emocionantes protagonizados e apresentados por um time de craques, entre ex-atletas, atletas atuais, jornalistas, ex-dirigentes, dirigentes atuais, funcionários do Clube, personalidades do mundo da música, literatura, política, torcedores anônimos das arquibancadas. Famosos e menos famosos, no entanto, ninguém menos colorado que ninguém.
Leia abaixo um dos textos que brilham no Histórias Coloradas II - As 100 melhores histórias campeãs da América:
A noite das asas vermelhas
Naquele dia, eu acordei sem ter dormido. Como nas últimas semanas, meu trabalho não rendeu. Sarcástico, o relógio fazia troça da minha cara, dando passos para trás. O Tempo deve ter tirado férias. Em determinado momento, o chamado vindo das margens do Guaíba se tornou irresistível. Abri a gaveta e peguei o "Livro dos Espíritos", de Kardec. Entre as páginas, abençoada, estava minha carteira de sócio. Meu RG em vermelho e branco. Tenho a honra e o dever de contribuir com um dízimo sagrado.
No caminho para o Gigante, sozinho, olhando a chuva e o fim de tarde cinzento, eu pensava no que poderia acontecer. Fiz um giro em todas as possibilidades. Da alegria infinita à tragédia fúnebre. Minha única certeza era de que, independente do desfecho da noite, eu continuaria colorado. Como quando nasci. Como quando hei de renascer. Nesse mundo. Ou em outro. Já não parecia estar só. Sentia uma estranha presença. Como se me observassem. Tive a impressão de ver asas vermelhas cruzando o céu, na altura do Gasômetro.
Na Padre Cacique, o pendão encarnado e branco tremulava, trazendo ao lado uma enorme bandeira gaudéria. Linda e baguala como o Pampa. Novamente, éramos nós contra o mundo. Éramos Farrapos de uma nova era. Maragatos de chuteira. Peleando em grito e canção. O colorado é a hipérbole do gaúcho.
Ali à frente, as filas que circundavam o templo alvi-rubro eram semelhantes a veias. Por elas, corria sangue de um rubro único, apaixonado. Bombando amor em quantidade inimaginável para dentro do estádio. Nas arquibancadas, 60 mil irmãos se acotovelavam, na esperança de ver e viver o momento mais importante desde que o S, o C e o I se entrelaçaram. Juntos, escreviam a história.
Quando a Academia do Povo apareceu, o concreto começou a arder. Como se abrissem as portas do Inferno, a arena um dia imaginada por Ephraim Pinheiro Cabral virou um caldeirão homérico. A fumaça brotava de baixo do gramado, do aterro, da água fervente, do umbral, e se espalhava pelo ar, tomando o mundo. Apavorada, a torcida adversária se ajoelhava, pedindo
clemência a Deus. Convicta de que o juízo final era chegado. Não haveria salvação. Deixariam a vida embalados por um réquiem de milhares de vozes coloradas. Teriam uma morte doce e vermelha. Mas ainda não era hora. Novamente, notei asas rubras rasgando a penumbra. Um delírio. Ou não.
Com o breu dissipado, a bola rolou. O Beira-Rio pelava. Pulsava. Uma corrente de força desconhecida cruzava as estruturas da casa do Clube do Povo. O chão dava choques. Eletrizava de vibração quem nele pisava. A cada passe são-paulino, o Gigante bufava. Trovejava. Enviava raios em forma de gritos, apupos e xingamentos. Até que a terra tremia, e o time de Abel
Braga recuperava a posse. Eu não via jogadores. Não identificava feições, nomes ou números. As camisas vermelhas jogavam sozinhas. Ungido, o manto corria por vontade própria. Vida própria. Marcava. Bicava. Urrava. Transpirava. Rasgava a grama. Levantava a leiva. Batalhava cada segundo como o último. Era raça, amor e algodão. Era guerra. Era guerra!
Em novo flash, vi uma mão etérea tocando a bola e tirando-a do domínio seguro de Rogério Ceni. Empurrando-a até Fernandão. Até a explosão. Até o delírio incontido de uma nação. O sonho quase secular começava a ganhar forma de América. Chorando e sorrindo, a família colorada teve a certeza de que sairia dali para um carnaval adiado há três décadas.
No intervalo, ninguém podia imaginar o sofrimento reservado para o segundo tempo. O gol de Fabão foi uma injeção cavalar de ansiedade. Retesou músculos. Fechou semblantes. Empalideceu. Assassinou unhas. Arrancou cabelos. Despertou tiques. Com o rosto enfiado entre as mãos, eu pedi ajuda.
A partida foi reiniciada, mas algo fora do gramado me chamou atenção. Em cima da marquise central da superior, uma figura cintilava. Trajava vestes encarnadas e trazia às costas inenarráveis asas da mesma cor. A plumagem do arcanjo rubro descia dos céus e roçava a coréia. Estático, com as mãos abertas, parecia abençoar a multidão, alheia à sua presença. Meu coração não batia. O espectro fechou os olhos e apontou a destra para a goleira do placar eletrônico. A cidadela de Figueroa. De Claudiomiro. O arco do gol mil. A meta da mágica tabela de Escurinho e Falcão. A baliza iluminada. Sobrenatural. A goleira divina. Seguindo o seu movimento, enxerguei Tinga se agachar e ouvi o Gigante gritar como nunca havia feito antes. As
lágrimas embaçaram minha visão. Me voltei para o telhado que traz a inscrição da maior torcida do Rio Grande. Mahicon Librelato não estava mais lá.
A loucura que tomou conta do Beira-Rio parecia o prenúncio da tranqüilidade, mas logo foi interrompida pela expulsão do lanceiro negro da Restinga. A pressão são-paulina teve proporções inéditas no futebol brasileiro. Nunca, um time foi tão acossado e amassado dentro de seu próprio campo. Lenílson aproveitou a falha de Clemer, e o mar vermelho
petrificou. Colorados de ontem e de hoje se desesperavam. Pediam o fim do jogo. Temiam o pior. Suplicavam a América.
O filme de todos os fracassos e derrotas do Internacional passou na minha mente. Revivi meus 26 anos de espera e apoio incondicional. Minha existência marcada pela defesa das cores do clube. Por insultos e flautas. Por humilhações e soberbas. Por raiva contida e choro. Minha vida do 'quase'. Do vice. De títulos que não pareciam feitos para mim. De glórias guardadas apenas para os outros.
Enquanto minhas lágrimas molhavam o ramo verde que trazia no peito, o serafim colorado pairava de novo sobre o Gigante. Dessa vez, não estava só. Um séquito de incontáveis espíritos descia por suas asas e entrava em campo. Vi jogadores com trajes do início do século passado. Todo o primeiro escrete de 1909. Vi Sefferin, os irmãos Poppe Leão, Vicente Rao e Penha. Vi Pirillo, Bendionda, Kluwe, Javel e Risada. Vi Tesourinha e quase todo o Rolo Compressor. Vi o português Pinheiro Borda, Meneguetti, Funchal, Teté, Russovski e Feijó. Vi Mestre Ênio Andrade, Abílio dos Reis e tantos outros que defenderam com honra o clube nascido da negação. Até a cabrita Chica!
Vi Nelson Silva puxando consigo uma fila sem fim de colorados anônimos, pais e avós de muitos que ali estavam, nas arquibancadas. Semelhante a um maestro, o poeta maior regia o coro além-túmulo, que entoava o Celeiro de Ases com beleza indizível. Todos rumaram para trás do contestado camisa 1 e formaram uma muralha intransponível. Nada, desse ou de qualquer mundo, passaria por ali.
Horácio Elizondo apontou o centro do campo, e o estouro de pranto e gargalhadas expandiu o universo para muito além do infinito. O anjo rubro e branco fez o Beira-Rio levitar. Tal qual um condor, o colosso santo de cimento e paixão voou por toda a América, da Terra do Fogo ao Canal do Panamá, pintando o continente de um tom sangüíneo e brilhante, ainda não
visto nesse planeta. Dos céus, querubins, tronos, potestades e outros seres imortais choravam desde a madrugada anterior, emocionados e ressentidos por não terem alcançado a graça suprema de ser colorado. Centenas de almas de crianças fardadas corriam ao lado do menino Rafael Sóbis, brincando de tremular a pesada bandeira. O Gigante será sempre um dejavu para as futuras linhagens de colorados.
Banhada e abençoada pelas lágrimas celestes, a nação das cinco estrelas não conseguia compreender o tamanho da felicidade vivida. Aquele time, aquela torcida e aquela geração haviam ido, definitivamente, aonde ninguém fora.
O predestinado camisa 9 ergueu a taça sobre a cabeça e tocou os pés de Deus. Com a missão cumprida, o ex-avante enviado pelo Criador volitou sobre o Gigante e abriu suas asas de rubi. De ponta a ponta, tocavam o teto do Gigantinho e beijavam a 12 e a Popular. Os espectros colorados entenderam o recado e se postaram lado a lado, abraçados, como se posassem para uma foto de campeão. Lembrando artistas encerrando um show, agradeceram a massa e rumaram para o astral, desaparecendo no ar, fulgurantes como fogos de artifício. A beleza daquele espetáculo não podia mesmo ser obra humana.
O Inter não é maior do que tudo. Mas é tudo o que há de maior. É a expressão definitiva do amor eterno. Para além da vida e da morte.
Na noite das asas vermelhas, eu vi o Internacional campeão da América. Eu fui o Internacional campeão da América. Mais do que ontem e menos do que amanhã, eu sempre serei Sport Club Internacional.
Campeão da América de 2006.
Emanuel Neves